Artigo

Joel Rufino dos Santos- um registro afetivo

Publicação original: 2015por Teresa Garbayo dos Santos

Joel Rufino dos Santos  -  um registro afetivo                                     

 

É difícil escrever sobre Joel Rufino dos Santos, homem público que eu admirava, quando a dor pela perda do Joel, homem amado, é tão intensa ainda. Tudo na casa em que vivemos – os espaços, as fotos, os livros, os objetos comprados em viagens, em geral artesanato popular, - uma de nossas paixões -  me falam do Joel. Tão intensamente que, às vezes, imagino ouvir a sua voz. Outras, me surpreendo pensando em comentar com ele sobre algo que vi, pensei, li ou fiz.

Vou tentar, então, escrever livremente, sem qualquer roteiro, colocando no papel o que for vindo à minha lembrança.

Joel tinha o hábito de anotar, com a sua letra regular, em inúmeros cadernos, pequenos ou grandes, ideias para histórias, temas de palestras que iria fazer ou mesas-redondas que iria participar. Em dezenas deles deixou registrada a progressão da construção do seu pensamento a respeito do Brasil que ele dizia ser uma nação inconclusa, e do seu povo, cuja pobreza o angustiava. Muito do escrito nesses cadernos foi publicado em livros por várias editoras,  com o  intuito de provocar a discussão  e a crítica dos seus pares e, assim, contribuir para  a melhor compreensão dos problemas brasileiros.

Joel era um intelectual que pensava obsessivamente o Brasil, a cultura popular, a questão da terra, a indianidade, a luta dos negros contra o racismo que ele considerava uma forma de dominação e, por isso -  afirmava  - deveria ser pensado  e combatido não como algo particular, mas  como parte das questões nacionais.

Pensava, escrevia, dava aulas, procurando sempre dividir o seu conhecimento de uma forma clara, sem pedantismo, para ser compreendido por todos. “Hospedava” o saber dos seus alunos com o maior respeito, convidando-os a novos voos, sem nunca desmerecer  o  conteúdo que traziam. Ao constatar, por exemplo, que Paulo Coelho, desprezado pela academia, era o autor preferido dos seus alunos da Faculdade de Letras-UFRJ, Joel abrigou o gosto literário da maioria e foi além na sua tentativa de compreender  o interesse dos jovens por Paulo Coelho. Leu os seus livros e elaborou a sua tese de doutorado sobre ele. “Paulo e Virgínia – o literário e o esotérico no Brasil atual”,  publicado pela editora Rocco, é o resultado final desse modo singular e exemplar de encontro professor-aluno.

Conheci bem o talento do Joel como professor  porque também fui sua aluna. Assim nos conhecemos – ele, já estudante universitário, dando aulas de História do Brasil no cursinho pré-vestibular do grêmio da Filosofia onde eu havia me matriculado. Em suas aulas fui apresentada à História do ponto de vista dos perdedores, algo inteiramente novo na historiografia brasileira. O Ministério da Educação, em 1963, oficializou essa visão, publicando a coleção História Nova do Brasil, da qual Joel foi um dos autores.

Apesar de receber, da Universidade, o título de “notório saber e alta qualificação em História”, Joel via na literatura uma forma superior de conhecimento, capaz de ir além da sociologia, da psicologia e inclusive da história no entendimento da nossa realidade social. No livro “Épuras do social - como podem os intelectuais trabalhar para os pobres”, publicado pela editora Global, Joel diz que para conhecermos os pobres, devemos ler Graciliano Ramos, Lima Barreto e outros.  Ali  os pobres existem, são  personagens vivendo as suas alegrias e  angústias, enquanto na história, voltada para os vencedores, eles não têm lugar nem voz.

Escreveu também para crianças e jovens. Sua literatura, nessa área, foi marcada pela sofisticação e simplicidade da sua linguagem e pelo reconhecimento e apresentação dos negros, índios, e excluídos como criadores da nossa cultura. Recebeu, entre outros prêmios, dois Jabutis e foi  finalista do Prêmio Hans Christian Andersen, considerado o Nobel da literatura infanto-juvenil, duas vezes.

Nos vários cargos públicos que ocupou, e foram muitos, Joel nunca fez concessões, inclusive pedindo exoneração quando não lhe davam condições de trabalhar de acordo com os seus ideais e com a sua ética.  Como Diretor Geral de Comunicação do Tribunal de Justiça-RJ  se dedicou a estabelecer pontes entre o Tribunal e a sociedade civil. Fez o Desenforcamento de Tiradentes – novo julgamento que resultou na sua absolvição, passando a mensagem de que a Justiça muitas vezes é falha, mas a luta do povo deve continuar até que ela seja feita. Suas últimas palavras como homem público, no baile charme em que trouxe Madureira para o Tribunal, foram emocionantes e ficarão registradas na nossa história – “ O pobre, o negro, sempre entrou no Tribunal como réu. Hoje ele entra como pensador, criador de arte e beleza.”

Intelectual humanista, Joel se autodefinia como “um homem que, em qualquer circunstância, se colocava ao lado dos mais fracos, dos mais necessitados”. Gostaria que vocês assim se lembrassem desse brilhante pensador que sempre escolheu estar ao lado do povo pobre e oprimido e usou a sua inteligência e vasta bagagem cultural na luta contra a injustiça social e pelo respeito aos direitos humanos.

 

 

topo
Inicial | Blog | Biografia | Bibliografia | Prêmios | Livros | Artigos | Fotos | Vídeos | Entrevistas | Sua Mensagem
Desenvolvido por Carlos Aquino