Artigo

O verbo aqui

Publicação original: 2007por Joel Rufino dos Santos

Nelson Wernek Sodré foi um memorável crítico literário e historiador. Quando morreu, em 1999, estava um pouco esquecido. É que no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb) defendera posições que o Movimento Militar de 1964, iniciado com o golpe de 1° de abril, perseguiu.

Werneck Sodré teve a carreira interrompida em 1961, chegando, somente de pijama, a general de exército. Nos bastidores, dizia-se, mas ele nunca confirmou, que integrava um grupo de oficiais de esquerda prontos para agir. 

Após o golpe, ao contrário de muitos intelectuais brasileiros que foram pressionados a deixar o País, ele decidiu não se exilar. Teve os direitos políticos cassados por dez anos. Decidou-se, então, à única forma de ativismo que considerava possível: a de escritor. Sem trânsito pelos principais órgãos da imprensa, que lhe vetavam o nome, continuou a escrever livros. Produziu intensamente, apesar de ter diversos títulos recolhidos ou censurados. Sua produção, a despeito dos esforços do regime, tornou-se referência no estudo da identidade brasileira - mesmo que sempre polêmica.

O Iseb ficava num casarão neoclássico da Rua das Palmeiras, no bairro carioca de Botafogo. Tinha como principal foco a discussão em torno do desenvolvimento nacional, num momento de intensa efervescência, guiada pelo governo de Juscelino Kubitschek. Hoje o prédio abriga o Museu do Índio, que exibe, entre outras preciosidades, a coleção Cândido Rondon.

Nos anos 1960 houve uma revoada de"brazilianistas" por aqui. Eram a cadêmicos norte-americanos especialistas em Brasil, viajando em primeira classe, dólares nos bolsos e prestígio nos círculos de poder. Muita gente acreditava que, finalmente, o Brasil seria explicado. Era só deixar os "brazilianistas" trabalharem no levantamento científico das estatísticas e dos indicadores socioeconômicos.

Um deles foi entrevistar Werneck Sodré no Iseb. No final, a pergunta de praxe:

- Como o senhor vê, em suma a realidade brasileira?

Ele tomou o abnegado "brazilianista" pelo braço. Levou-o à varanda, onde se avistava, enorme, a favela Santa Marta:

- Está ali, ó. Pode fotografar à vontade.

Sodré era um tipo amistoso, mas objetivo. Podia ser cortante, o que ele próprio atribuía à formação militar.

Em Memórias de um Soldado, de 1967, conta histórias ótimas.

No Colégio Militar havia dois irmãos, já taludos, apelidados Matusalém Pai e Matusalém Filho. Repetentes empedernidos, acabaram jubilados - excluídos por falta comprovada de aproveitamento. Matusalém Filho foi a exame de português. O Examinador lhe perguntou pela categoria léxica da palavra aqui.

- Verbo - respondeu com convicção.

O examinador se recuperou da surpresa:

- Então conjugue no presente do indicativo.

- Eu aqui, tu ali, ele acolá, nós na frente, vós atrás, eles no meio. 

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