Publicação original: 2007por Joel Rufino dos Santos
Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi executado, como todos sabem, em 21 de abril de 1792, por volta do meio-dia, no centro do Rio. Do espetáculo participaram três bichos da terra tão pequenos. Essa é de Camões: bichos da terra tão pequenos...
O primeiro, seu escravo, foi passado nos cobres quando o amo precisou de cash para fugir. O cortejo fúnebre saiu da cadeia pública, atual Assembléia Legislativa, entre oito e nova horas de um dia lindo. Percorreu a Rua do Piolho (atual Assembléia), chegou ao Campo de São Domingos (hoje Teatro João Caetano) e parou na igreja da Lampadosa (que ainda está lá) para a oração final. Moças nas sacadas, rufo de tambores, o comandante da brigada em cavalo ajaezado, de cima pra baixo. No meio do cortejo, bandeiras da misericórdia, cestos de marmeladas, pães-de-ló e vinhos para levantar o ânimo do condenado. Na rabeira, a carreta para os seus pedaços, empurrada por 12 forçados. Parecia desfiler de escola de samba, mas sem alegria.
Tiradentes, entre dois mineirinhos, suando muito, enfiava a cara no crucifixo de dois palmos, Já se avistando a forca especial, 23 degraus, surgiu de um corredor uma mulher preta, descalça, com água salobra para o coitado. Apesar da bondade, não entrou para a História.
O conde de Rezende ordenara a frei José de Jesus do Desterro pregar contra aqueles que fugiam à obediência aos reis e seus ministros. Um colega seu, Penaforte, se irritou com o espetáculo. José exagerou, deu pulos para simbolizar o coração batendo de devoção à Rainha, espancou o ar com mãos enormes para dizer que o próprio vento levaria ao palácio conversas de conspiradores, choveu enxofre sobre o público. Não satisfeito, rezou o credo dos apóstolos com paradas de ator, para que o condenado repetisse palavra por palavra.
A essa altura, o carrasco, forte como um estivador, recolheu o crucifixo, passou a corda no braço da forca, segurou a outra ponta. Tiradentes já conhecia Jerônimo Capitania, - haviam sido apresentados antes de sair o cortejo.
Era galé, não sabemos de que crimes.
- Lhe peço perdão pelo que vou fazer. É meu trabalho.
- Não tem problema.
Deixa pra lá. A história pôs no lugar outras frases, solenes. Essas seriam mais ou menos as verdadeiras, se o condenado e o carrasco não tivessem passado à História. Capitania lhe pediu que tirasse a roupa, ia vestir-lhe o camisolão branco.
- Meu Redentor também por mim morreu nu! - teria respondido Tiradentes, frase também maquiada.
Para que o condenado nada visse, ou não lhe vissem os olhos de horror, Capitania os escondeu com uma tira de bretanha preta. Devia feder a sangue.
Frei José de Jesus já descia os degraus.
- Ó Pátria, recebe meu sacrifício - gemeu Tiradentes, ou algo que as testemunhas entenderam assim.
Capitania o empurrou com força. Depois, com as pernas em volta do seu pescoço, cavalgou rodopiando.