Artigo

Prefácio

Publicação original: 1994por Joel Rufino dos Santos

Prefácio

Há uma velha mentira, repetida até por lideranças de movimento negro, de que não é possível fazer história do negro no Brasil "porque Rui Barbosa queimou os documentos". Primeiro, a história não depende exclusivamente de documentos - escritos ou não. Segundo, o prejuízo causado pela resolução ministerial de Rui, em 1890, mandando queimar livros e papéis da escravidão, diz respeito somente aos recolhidos ao Ministério da Fazenda. Na verdade, há uma quantidade enorme de documentos sobre os afro-brasileiros dormindo em arquivos públicos e particulares, à espera de pesquisadores como Mundinha Araújo - habilitados e interessados em revelar a trajetória de sofrimento, luta e prazer do povo brasileiro. 

 Mundinha está de fato habilitada à tarefa que se impôs. Faz tanto tempo - eu a conheço há pelo menos dez anos - que vem recolhendo amorosamente informações sobre quilombos no Maranhão, que hoje ninguém domina o assunto como ela. Seu interesse no tema - como também posso testemunhar - não é puramente intelectual. Mundinha é uma das mais competentes e estima das intelectuais do movimento negro. (Não sei se ela gosta de ser chamada de intelectual, mas é no sentido bom do termo: o que faz e pensa sobre o que faz, contribuindo para o nosso maior conhecimento da realidade e avanço das lutas sociais). 

 Recentemente, a Fundação Cultural Palmares, do Ministério da Cultura, realizou um seminário de especialistas (juristas, antropólogos, historiadores) sobre o conceito de comunidades remanescentes de quilombos. Nosso objetivo era chegar a um conceito funcional do que seja isso, para efeito de regulamentação do Art. 68, das disposições transitórias da Constituição em vigor, que manda a União expedir títulos de propriedade às comunidades remanescentes de quilombos. Trata-se de uma questão essencial na luta secular pelo acesso à terra, de que os quilombos, no passado e no presente, são um formidável exemplo. O livro de Mundinha, que pode ser lido como se vê um filme - tão bem está arrumada a sua matéria - teria ilustrado e informado aquele seminário. Infelizmente não estava editado - o Seminário foi em agosto de 1994. Mas, daqui por diante, a Insurreição de Escravos em Viana - 1867 será referência obrigatória. 

JOEL RUFINO DOS SANTOS 

Professor da UFRJ 

Presidente da Fundação Cultural Pai mares 

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