por Joel Rufino dos Santos
Pouco antes de morrer, perguntaram a José Saramago como via a morte. “Hoje estou, amanhã não estou mais”. Penso ser a maneira mais sucinta de dizer sobre a “desejada das gentes”, como escreveu Manuel Bandeira. O único pensamento sensato sobre quem morreu é “nunca mais”.
Mas essa fórmula não resolve o problema da morte dos que amamos.
Nunca mais existirá um Luís Eduardo Merlino. Ele não está, não estará nunca, virou nada. Deixou de ser um ser-para si, se tornou um ser em si, uma lembrança dos que o conheceram, até que esta também se extinga. Hoje, é um retrato na parede, que Ângela me deu, mas como dói.
Será também um nome na história do Brasil, o que morreu lutando contra a ditadura civil-militar de 1964, ao lado de milhares de outros. O que não se conformava com a exploração do trabalho pelo capital, o que queria ver aqui uma revolução de verdade, sem retórica, ao lado de milhares de outros.
Para quem o amou, desde que o viu a primeira vez num jornal de luta, o Amanhã, na rua Hadock Lobo, São Paulo, 1967, o que disse acima não basta. Merlino, ao mesmo tempo que foi um entre milhares, foi um para mim. Às vezes me tratava como um irmão mais velho – eu vinha da luta de antes de 64, mas ele devia compreender que eu queria ser seu amigo e nada mais. Acho que por isso abriu sua casa para mim, me deu camisas, me pagou lanches, me apresentou novos gozos musicais, poetas... Me levou a Santos, com Teresa e Nelson para um dia com sua mãe, sua tia, sua irmã.
Desde que soube do seu assassinato, comandado por um “defensor da pátria”, no dia 19 de julho (meu aniversário) de 1971, tento achar uma maneira de tirá-lo de lá, do nunca mais. O nunca mais também pode ser chamado de eternidade – era esse o nome que minha mãe lhe dava. Muitas vezes também a chamava de glória, já que era evangélica. Como quer que seja é um lugar triste: não há mais nada a mudar, nenhuma vitória ou derrota a alcançar. Nenhuma luta é possível, nenhuma revolução, tudo está dado para sempre neste reino do outro mundo. E no reino deste mundo? Não precisamos descansar, dormir, virar pedra ou estrela, como desejava Macunaíma, tudo aqui é transitório, pode ser mudado, pode-se perder e pode-se ganhar, errar e acertar, sofrer e gozar.
Queria que Merlino desse uma escapada do mundo sem graça em que está e aparecesse aqui agora. Que descesse do retrato na parede e conversasse comigo. Muitas vezes, antes de um dilema tento saber o que ele faria. É uma maneira de salvá-lo da glória, como dizia minha mãe.
Esta viagem dos mortos para cá precisa de uma energia que a mova. Não há outro nome para essa energia: amor. Por amar Luís Eduardo Merlino ele está aqui, agora, comigo.