Publicação original: 2008por Joel Rufino dos Santos
Gopher Prairie era uma cidadezinha do Minnesota de onde só se podia sair de trem ou carro funerário. Carol Milford herdara da mãe (o pai naõ deixaria nada, era um caçador bêbado) uma fazenda e um jornalzinho. Havia poucos negros na cidade, em geral respeitáveis, e ela ficara famosa, na juventude, por não mudar de calçada quando acaso topava com um deles.
Sua vida começou a ficar interessante quando trouxe a Gopher Prairie um jovem conferencista. Carol estava perto dos 40 anos. O conferencista viera de San Francisco e por muitos anos se falaria dele na região. O rapaz, muito bem-esconhoado, rosto resoluto (todos os rapazes, invariavelmente, o acharam besta, o que em Gopher Prairie queria dizer perigoso), falou dos valores americanos, do papel dos imigrantes etc. Nem mesmo a América haveria. Na hora das perguntas, Carol Milford foi a primeira a levantar a mão:
- Queria saber do senhor duas coisas. Primeira: o que nós, aqui desta cidadezinha perdida no Meio Oeste, podemos fazer para combater o comunismo? Segunda: o que é comunismo?
O conferencista (que gozava a fama de filho de um pioneiro da aviação e se chamava Gore Vidal) esboçou um sorriso perigoso. Respondeu, mas àquela altura, já perdidamente apaixonada, Carol Milford não o ouviu. Com 20 dias, se mandou para San Francisco. Deixou o jornalzinho por conta do irmão (que tinha os dois vícios do pai) e, como era solteira, de poucas amigas, ninguém foi levá-la à estação. Teve a coragem de estender a mão ao velho crioulo que vergava ao peso das suas quatro malas.
Logo soube que Gore nunca residira em San Francisco. De vez em quando, era citado numa coluna literária, aparecia num anúncio de conferência regional. Seu rosto parecia cada vez mais liso, o penteado perfeito. Carol muitas vezes alisava a única folha de anotações que o literato (ela o chamava de pensador) esquecera sobre a mesa da conferência em Gopher Prairie.
Uma tarde, Carol foi subir num bonde na Jefferson Avenue, o veículo arrancou, e ela se estatelou. Poucas escoriações, não precisou de hospital. Mas notou uma coisa: começou a desejar todo homem com quem conversava. Não era feia, só um pouco ossuda. Deitou-se com meia San Francisco (ou talvez um quarto). Escreveu para a senhora Calibree, que lhe deu um conselho (era dona do único escritório de Gopher Prairie): metesse uma ação contra a companhia de bondes. Era certo que seu comportamento sexual mudara depois da queda.
Com dois anos, saiu a sentença. Carol Milford recebeu de indenização, a dois ou três títulos, uma pequena fortuna.
Oito ou nove anos depois, tomou um avião para um lançamento de Gore Vidal em Washington, Juliano.
Não se identificou.